A Arte de bem governar



A arte de bem governar era um tema presente entre os pensadores asiáticos, abrangendo problemáticas diversas, tais como as relações sociais, a religião, a economia, a lei, hábitos, costumes, etc. Não que isso fosse uma novidade, tanto lá quanto no ocidente: mas a variedade de propostas é instigadora. Na Índia, três textos nos apresentam o que seriam os deveres de um rei na visão hindu; um dos dharma sutras (os textos das leis “morais”, ou “ espirituais”, também conhecido pelos budistas como dhamma, na língua páli), um do onipresente manavadharmashastra e ainda, um texto do Artashastra, um dos primeiros tratados dedicados inteiramente a questão da política e da sociedade em moldes parecidos com o da escola legista chinesa ou, século depois, com Maquiavel. Completando a visão indiana, temos dois éditos do ecumênico soberano Ashoka, da dinastia maurya, que depois de ter (supostamente) se convertido ao budismo, instituiu uma política de tolerância e diversidade religiosa dentro de sue império. Observe-se que são duas proclamações incitando à paz e a boa convivência, tendo sido redigidos em idiomas diversos, inclusive grego e aramaico.

A China nos apresenta um quadro filosoficamente mais variado, e novamente distinto de crenças religiosas. Inicialmente, veremos a idéia de política antiga na proclamação do marques de qin, presente no shujing; seguem-se trechos da visão confucionista de bom governo, preocupação constante desta escola: a visão de bom governo no Zhongyong, no Liji, e no Lunyu. Mêncio, apesar de confucionista, nos informa algo sério e profundo na antiguidade: um bom soberano ouve seu povo, e quem não faz deve ser derrubado. Um trecho da obra de guanzi, autor pouco conhecido, e supostamente do séc. -4, apresenta-nos as 6 proibições básicas que deveriam ser aplicadas a sociedade; depois, a concepção de bom governo pela inação, proposta por laozi, sintetiza a visão daoísta da questão – governar seria ausentar-se, intervindo somente em casos de necessidade. Mozi resume em poucas linhas o que seria o dever de um rei em sua utópica sociedade pré-comunista; por fim, shang yang e hanfeizi representam a dura linha de raciocínio do totalitarismo legista, que obteve sucesso, no entanto, em reunificar a China no séc. -3, apesar da derrocada fragorosa da dinastia qin, que eles ajudaram a eleger.


75. Os Deveres de um Rei, no dharma sutra

O rei é senhor de todos, com exceção dos brâmanes.
Ele será santo em atos e palavra,
Inteiramente instruído na ciência sagrada tripla e na lógica,
Puro, de sentidos controlados, cercado de companheiros donos de excelentes qualidades e pelo meio de sustentar o seu governo.
Ele será imparcial com seus súditos;
E fará o que for bom para os mesmos.
Todos, com exceção dos brâmanes, o adorarão, a ele que se senta num lugar mais alto, enquanto eles próprios sentam-se em lugares mais baixos.
Também os brâmanes o homenagearão.
Ele protegerá as castas e ordens, de acordo com a justiça;
E aqueles que deixarem a trilha do dever, ele os reconduzirá a mesma.
Pois está declarado nos Vedas que ele obtém uma parcela do mérito espiritual ganho por seus súditos.
E ele escolherá como seu sacerdote doméstico um brâmane versado nos Vedas, de nobre família, eloqüente, bem apessoado, de idade adequada e de disposição virtuosa, que viva corretamente e seja austero.
Com sua ajuda, cumprirá seus deveres religiosos.
Pois está declarado nos Vedas: "Xátrias que sejam ajudados por brâmanes prosperam e não caem em dificuldades”.
Ele levará em conta, também, o que astrólogos e augures lhe disserem.
Pois alguns declaram que a aquisição de riqueza e segurança depende disso também.
Ele executará no fogo do salão os ritos que garantem a prosperidade e estão ligados as expiações, festivais, uma marcha próspera, vida longa e auspiciosidade, bem como aqueles destinados a causar inimizade, dominar os inimigos, destruí-los por encantamentos e levá-los ao infortúnio.
Os sacerdotes oficiantes executarão os demais sacrifícios, de acordo com os preceitos dos Vedas.
Sua administração da justiça será regulamentada pelos Vedas, os institutos da Lei Sagrada, os Angas, e o Purana.
As leis de países, castas e famílias, que não se oponham aos registros sagrados, também têm autoridade.
Os agricultores, comerciantes, pecuaristas, financiadores e artesãos têm autoridade para determinar regras para suas respectivas classes.
Tendo-se informado do estado das coisas graças aos que, em cada classe, têm autoridade para falar, ele emitira a decisão legal.
O raciocínio é um meio de chegar a verdade.
Chegando a uma conclusão por intermédio dele, ele decidira adequadamente.
Se as indicações estiverem em conflito, ele saberá da verdade com os brâmanes, que sejam bem versados no conhecimento sagrado triplo, dando sua decisão de acordo.
Isso porque, se agir assim, as bênçãos o atingirão neste mundo e no seguinte.


76. Rei e Punição, no manavadharmashastra

Só a punição governa todos os seres criados, só a punição os protege; é a punição o que os protege enquanto dormem; os sábios declaram que a punição é a lei.
Se a punição for devidamente aplicada depois de exame devido, toma feliz o povo; mas aplicada sem exame, destrói tudo.
Se o rei não aplicasse incansavelmente a punição aos que merecem ser punidos, os mais fortes assariam os mais fracos, como peixes em um braseiro;
O corvo comeria o bolo sacrifical e o cachorro lamberia as carnes sacrificais, e a propriedade não ficaria com pessoa alguma, e os inferiores usurpariam o lugar dos superiores.
Todo o mundo é mantido em ordem pela punição, pois é difícil achar um homem sem culpa; pelo medo a punição, todo o mundo proporciona os desfrutes que deve.
Os deuses, os Danavas, os Gandharvas, os Rakshasas, as deidades de pássaro e serpente, só proporcionam os prazeres devidos aos mesmos se forem atormentados pelo medo da punição.
Todas as castas se corromperiam pela mistura, todas as barreiras se romperiam e todos os homens se irariam uns contra os outros, em conseqüência de erros com relação à punição.
Mas onde a Punição com cor negra e olhos vermelhos impera, destruindo os pecadores, os súditos não se perturbam, desde que quem a aplique tenha o necessário discernimento.


77. O poder do rei, no Artashastra

Os líderes têm três motivos para empregar um sábio: uma boa reputação, um grande enriquecimento e uma vida no paraíso. Ha três motivos para um líder não empregar o tolo: a ma reputação, o empobrecimento e seu caminho para o inferno.
Portanto, um líder deveria sempre empregar o virtuoso e evitar quem não tem virtude.
Assim, a justiça, o prazer e a prosperidade podem nascer. O líder deveria rejeitar os empregados hipócritas, enganadores, destrutivos, indecisos, sem entusiasmo, incompetentes e covardes. Uma pessoa que e cruel, desregrada, avarenta, indecisa, sem tato, desonesta e extravagante não deveria ser indicada para urna posição de autoridade. O líder deveria rejeitar quem não tem paciência ou dedicação, os intrigueiros e os mesquinhos, e quem fosse incompetente e amedrontado. [...]

Quando o líder é justo, seu povo e honesto; quando um líder e cruel, seu povo e desonesto. Quando o líder e indiferente, o povo e indiferente. O povo segue seu líder; o povo se comporta como seu líder. o rei é responsável pelo mal feito por seu povo; o sacerdote e responsável pelo mal causado pelo líder. o marido e responsável pelos atos de sua esposa; e o professor é responsável pelos males causados por seu estudante. O povo e destruído por um líder que parece um leão, por um ministro que parece um tigre e por um oficial que parece um abutre. [...]

Quem pune severamente será temido pelas pessoas. Já quem pune de maneira branda será menosprezado. Aquele que pune adequadamente será respeitado. Uma justiça criminal bem estruturada faz com que as pessoas se atenham às intenções e aos desejos legítimos. Uma punição mal aplicada, fruto de um mero capricho, da raiva ou da ignorância, revolta até mesmo os exilados que vivem na floresta e ofende mais ainda os que sustentam suas famílias! Quando não há uma justiça criminal capaz de regular a sociedade, ela acaba se rendendo à lei dos peixes: sem os limites ditados pela justiça criminal, o forte devora o fraco. Pessoas de classes e idades diferentes são protegidas pelo sistema de justiça criminal criado por seu líder; dedicadas às suas obrigações e ocupações, vivem as próprias vidas. Como um caminho para o estabelecimento da ordem, a justiça criminal traz a segurança às pessoas: pois se os jovens encararem o juiz como o rei da morte, eles não cometerão crimes. Os líderes que exercem a justiça criminal eliminam o crime do seio do povo, trazendo segurança. A justiça criminal mantém a integridade deste mundo e do próximo, desde que o líder a aplique de acordo com o crime, seja contra seu filho ou contra um inimigo.


78. A política ecumênica de Ashoka

Édito 1. Não devemos honrar apenas a religião própria e condenar a dos outros e devemos honrar as religiões alheias por este ou aquele motivo. Fazendo assim, ajudamos nossa própria religião a crescer e prestamos serviço também as alheias. Ao fazer de outro modo, estamos cavando a sepultura de nossa própria religião e, ao mesmo tempo, fazendo mal as alheias. Quem quer que honre sua própria religião e condene as alheias certamente o faz por devoção a própria, pensando em glorificá-la, mas, ao contrário, ao fazer isso prejudica a mesma gravemente. Por isso, a concórdia é boa, e que se permita a todos ouvir e prestar-se a ouvir as doutrinas professadas pelo próximo.

Édito 2. No passado, por muitas centenas de anos, muitos seres vivos foram mortos ou prejudicados, e aumentou os casos de comportamento impróprio com parentes, com os brâmanes e com os ascetas. Mas agora, devido ao Amado-dos-deuses, Piyasadi, o rei que pratica o dhamma, o som do tambor foi substituído pelo som do dhamma. A visão de carros divinos, elefantes auspiciosos, corpos luminosos e outras visões divinas não aconteciam há muito tempo. Mas agora, graças ao Amado-dos-deuses, Piyasadi, se promove a restrição severa ao massacre dos seres vivos, e se estimula o comportamento apropriado com parentes, brâmanes e ascetas, se respeita pais, mães e anciãos, e as visões divinas voltaram.
Estas e muitas outras práticas do dhamma foram encorajadas pelo Amado-dos-deuses, Piyasadi, e ele continuará promovendo a pratica do dhamma. Ele a praticará até o final dos tempos, a promoverá entre seus filhos, netos e bisnetos, e estes continuarão promovendo o dhamma, e se instruindo nele. Verdadeiramente, este é o trabalho mais elevado, ensinar o dhamma. Mas a prática do dhamma não pode ser feita por quem é destituído de virtude, então, sua difusão e ensino [por sábios homens] são recomendáveis. Este Édito foi escrito de modo que isso possa ajudar meus sucessores a se dedicar e promover estas coisas, e não lhes deixar perdê-las. O Amado-dos-deuses, Piyasadi, escreveu isso doze anos depois de sua coroação.


79. Discurso do Marques de Qin, no shujing

Disse o duque: “Ah! Meus funcionários, ouvi-me em silêncio. Declaro-vos solenemente a mais importante de todas as máximas. Foi o que disseram os antigos: “Assim sucede a todos: amam, de preferência, o ócio. Não há dificuldade em censurar os outros, mas é difícil aceitar a censura e dar-lhe livre curso. O que me entristece o coração é que hajam transcorrido os dias e os meses e não seja provável que voltem, de modo que devo seguir um caminho diferente.

“Ali estavam meus velhos conselheiros. Eu disse: “Não farão o que eu desejo”, e os odiei. Ali estavam meus novos conselheiros e eu quis outorgar-lhes minha confiança. Tal é certamente o que eu fiz. Mas daí por diante me aconselhei com os homens de cabelos brancos e me livrarei do erro. Aquele bom funcionário velho! Sua força está esgotada, mas preferiria não tê-lo como conselheiro. Aquele arrojado e bravo funcio¬nário! Seu modo de caçar e de guiar a carruagem são impecáveis, mas preferiria não tê-lo por conselheiro. Quanto aos homens de palavras sutis, hábeis e astutos, capazes de fazer mudar de propósito o homem bom, que hei de fazer com eles?

“Pensei profundamente e cheguei a uma conclusão. Tenha eu um só ministro resolvido, simples e sincero, sem outra ha¬bilidade mas com uma inteligência honrada e possuído de generosidade, que considere os talentos alheios como se ele mesmo os possuísse, e que quando encontra homens perfeitos e sábios os ame de coração mais do que a boca pode dizer, mostrando-se realmente capaz de apoiá-los. Semelhante ministro seria capaz de proteger meus descendentes e meu povo e seria verdadeiramente um outorgador de benefícios.

“Mas se o ministro quando encontra homens hábeis os inveja e odeia; se quando encontra homens perfeitos e sábios opõem-se a eles e não consente que progridam, mostrando-se incapaz de ajudá-los, semelhante homem não será capaz de proteger meus descendentes e meu povo e não será um homem perigoso?”.

“O declínio e queda de um Estado podem ser devidos a um só homem. A glória e a tranqüilidade de um Estado podem também ser devidos à bondade de um só homem”.


80. As regras do bom governo, no Zhongyong

Todos os que detêm o governo do reino com seus Estados e famílias têm de seguir nove regras fixas: o cultivo do caráter, a honra devida aos homens virtuosos e de talento, o afeto a seus parentes, o respeito aos grandes ministros, o trato bondoso e equânime a todo o corpo de funcionários, o trato com a massa do povo como se fossem crianças, o estimulo à concorrência de todas as classes de artífices, o trato indulgente com os homens à distância e o bondoso apreço aos príncipes dos Estados.
Mediante o cultivo do seu próprio caráter, pelo governante, realizam-se os deveres de obrigação universal. Honrando os homens virtuosos e de talento, livra-se dos erros de julgamento. Mostrando afeto para com os parentes, não há murmu¬ração nem ressentimento entre seus tios e seus irmãos. Respeitando aos grandes ministros, livra-se de erros na prática do governo. Tratando com bondade e consideração a todo o corpo de funcionários, estes são levados a responder com o maior agradecimento a suas cortesias. Tratando a massa do povo como se fossem crianças, estas são levadas a exortar-se entre si para praticar o bem. Estimulando a consciência de todas as classes de artífices, ampliam-se seus recursos para as despesas. Tratando indulgentemente os homens a distância, de toda parte estes acodem para ele. E apreciando bondosamente os princípios dos Estados, chega à veneração de todo o reino.
A correção pessoal e a purificação, com a ordenação cuidadosa de suas vestes e o não fazer movimento contrário às regras da correção: tal é, para um governante, o modo de cultivar sua pessoa. Afastar os caluniadores livrar-se das seduções da beleza, não dar importância aos ricos e honrar a virtude. Tal é, para ele, o meio de estimular os homens dignos e de talento. Dar-lhes postos de honra e grandes emolumentos, compartilhar com eles seus gostos e aversões, tal é para ele, o meio de estimular seus parentes para que o amem. Dar-lhes numerosos funcionários para aliviá-los de suas ordens e incumbências, tal é, para ele, o meio de estimular os grandes ministros. Conceder-lhes confiança generosa, aumentar seus emolumentos tal é o meio de estimular o povo. Exames diários e provas mensais, e conseguir que suas reações estejam de acordo com seus trabalhos, tal é o meio de estimular as classes de artífices. Acompanhá-los quando saem e ir-lhes ao encontro quando chegam, recomendar o bom dentre eles e mostrar compaixão pelo incompetente, tal é o modo de tratar indulgentemente os homens distantes. Restaurar as famílias cuja linha dinástica se rompera e revivificar os Estados que se tenham extinguido, pôr em ordem os Estados em que haja confusão e apoiar os que estejam em perigo, assinalar datas fixas para as audiências na Corte e para a recepção de seus enviados, despedi-los depois de tratá-los liberalmente e celebrar sua chegada com pequenos tributos tal é o modo de apreciar os príncipes dos Estados.
3o. Todo aquele que mantêm o governo do reino com seus Estados-família deve ter em vista as anteriores nove regras fixas. E o meio pelo qual são elas postas em prática, é a simplicidade.


81. As cinco obrigações do bom líder, no Liji

“Dos cinco chefes, o mais poderoso era o duque de Hui. Na assembléia dos príncipes reunidos, amarrou uma vitima e sobre ela colocou um escrito, mas não a matou para manchar seus lábios com o sangue. O primeiro mandamento de seu pacto foi: “Dar morte ao que não é filial. Não mudar o filho escolhido para herdeiro. Não elevar a concubina à categoria de esposa. O segundo era: “Honrar o digno, apoiar o homem de talento, distinguir o virtuoso”. O terceiro era: “Respeitar o velho, ser bondoso com o jovem. Não esquecer os estrangeiros e os viajantes”. O quarto era: “Que os em¬pregos públicos não sejam hereditários, que não sejam acumuladores os funcionários. Na seleção de funcionários, seja cada emprego desempenhado pelos homens adequados. O governante não deve tomar a seu cargo a morte de um Alto Fun-cionário”. O quinto era: “Não seguir uma política desonesta na construção de represas. Não impor restrições à venda de cereais. Que não haja promoções sem primeiro anunciá-las ao soberano”. Então se disse: “Todos os que nos unirmos neste pacto manteremos doravante relações amistosas”. Todos os príncipes de nossos dias violam essas cinco proibições; portanto digo que os príncipes de nossos dias pecam contra os cinco chefes.
“O crime daquele que tolera e ajuda a maldade do seu príncipe é pequeno, mas grande é o crime de quem se antecipa e exalta essa maldade. Os funcionários de nossos dias saem ao encontro da maldade de seus soberanos e por isso digo que pecam contra os príncipes”.


82. Cinco deveres e quatro erros, no Lunyu (Diálogos) de Confúcio

Zizhang perguntou a Confúcio: "Como alguém se qualifica para governar?" O Mestre disse: "Quem cultiva os cinco tesouros e evita os quatro pecados está pronto para governar" Zizhang disse: "Quais são os cinco tesouros?" O Mestre disse: "Um cavalheiro é generoso sem ter de gastar; ele faz as pessoas trabalharem sem as fazer padecer; ele tem ambição mas não rapacidade; ele tem autoridade mas não arrogância; ele é rigoroso mas não violento". Zizhang disse: "Como é possível ser generoso sem ter de gastar?" O Mestre disse: "Se deixares o povo procurar o que lhe é benéfico, não estarás sendo generoso sem ter de gastar? Se fizeres o povo trabalhar apenas em tarefas razoáveis, quem padecerá? Se tua ambição é a humanidade e se realizas a humanidade, que lugar pode haver para a rapacidade? Um cavalheiro trata com igualdade os muitos e os poucos, os humildes e os grandes. Ele dá a mesma atenção a todos: não tem ele autoridade sem arrogância? Um cavalheiro se veste corretamente, seu olhar é reto, o povo olha-o com admiração: não é ele rigoroso sem ser violento?"
Zizhang disse: "Quais são os quatro pecados?" O Mestre disse: "O terror, que se apóia na ignorância e no assassinato. A tirania, que exige resultados sem aconselhar adequadamente. A extorsão, que é conduzida por meio de ordens contraditórias. A burocracia, que recusa ao povo aquilo a que ele tem direito".


83. O governo do povo, em Mêncio

Disse Mêncio: "Quando prevalece no reino o governo justo, os príncipes de pouco valor e virtude mostram-se submissos aos de grandes predicados e de subido valor. Quando predomina o mau governo, os pequenos são sujeitos aos grandes, os fracos servem os fortes".
"Estes dois casos são lei do Céu. Os que se harmonizam com o Céu são poupados; os que se rebelam contra o Céu têm de perecer". [...]

Disse Mêncio: "Chieh e Chou* perderam o reino, em conseqüência de haverem perdido o povo; perder o povo significa perder o amor dos súditos. Há um modo de conquistar o reino: conquiste-se o povo, e o reino está ganho. Há um meio de conquistar o povo: cative-se o coração popular, e o povo está adquirido. Há maneira de cativar o coração do povo: é simplesmente oferecer-lhe o que ele deseja e não lhe impor o que detesta".
"O povo volta-se para um soberano clemente, como a correnteza desce o rio, e os animais ferozes correm para as selvas".
"Assim como a lontra favorece as águas profundas, atraindo os peixes para elas, e o falcão favorece as matas, chamando para elas os passarinhos, assim Chieh e Chou auxiliam Tang e Wu, encaminhando o povo para estes".
"Se entre os atuais soberanos do reino houver um que preze a clemência, todos os outros príncipes o ajudarão, encaminhando o povo para ele. E embora esse rei não deseje exercer a autoridade real, não a poderá evitar".

*últimos tiranos mandatários de xia e shang, respectivamente.


84. As proibições, de Guanzi

Seis são as coisas que o soberano deve procurar, e quatro as que deve proibir. As que deve procurar são: economizar gastos, promover ministros sábios e capazes, estabelecer leis e medidas, impor castigos, seguir os tempos do Céu e acomodar-se as conveniências da Terra.

Quatro são as coisas que o soberano deve proibir: na primavera não deve permitir matar, cortar, rebaixar terrenos, suprimir vegetação, podar árvores, aplanar montes, incendiar campos, castigar os ministros, exigir contribuições de grãos. No verão, não obstruir o curso dos rios, não fazer barrancos, não remover terras, não matar aves. No outono, não perdoar delitos, não perdoar nem suavizar penas. No inverno, não conceder feudos nem galardões, nem atacar ou casar dano aos campos.

Sem as proibições da primavera, a vida não poderá se desenvolver; sem as proibições do verão, não crescerão os cereais; sem as proibições de outono, não se poderão evitar vícios e delinquências  sem as proibições de inverno, os vapores terrestres não se fixarão na terra.

Se se falta contra estas quatro proibições, o yin e o yang não poderão combinar-se harmoniosamente. Os ventos e as chuvas virão ao seu tempo, as águas inundarão terras e povoados, os vendavais levarão casas e arrancarão árvores, os incêndios arrasarão os montes, nevará no inverno e a terra tremerá. No verão cairá a copa das árvores e no outono ela voltará a nascer. Os animais não invernarão: os que o fariam estarão acordados e soltos. Os montes se cobrirão de mal, e se povoarão de animais e répteis. A cria de gado não prosperará, a gente morrerá prematuramente, o Estado se empobrecerá e haverá revolta.


85. O governo daoísta de laozi, no daodejing (tratado da virtude e do caminho)

Do melhor dos governantes
O povo mal sabe que existe.
O Próximo ama e elogia.
O Próximo o teme.
E o Próximo o recrimina

Quando aqueles não regulamentam a fé do povo,
alguns acabam perdendo a fé neles,
e passam então a recorrer aos oráculos!
Porém, o melhor disto é após os deveres cumpridos e as tarefas terminadas,
o povo inteiro observar: "Fomos nós que realizamos tudo sozinhos".

[...]

Quando o governo é indolente e estúpido,
seu povo é despojado.
Quando o governo é eficiente e alerta,
seu povo mostra-se descontente.
O erro está no caminho da fortuna.
Pois a riqueza é a máscara da desgraça.
Quem seria capaz de prever suas derradeiras conseqüências?
Tal como é nunca existiria o normal,
visto que o normal se converteria imediatamente no falso,
e o bom se converteria no sinistro.
Tão longe a humanidade se transviou!

Por isso o Sábio é probo (de firmes princípios), porém sem exagerada pureza,
cultiva a integridade porém, sem espezinhar os outros,
é correto sem ser voluntarioso,
e brilhante sem chegar a ofuscar.

[...]

Ao dirigir os negócios humanos, não há regra melhor que ser comedido
Ser comedido é prevenir.
Prevenir é estar preparado e forte.
Estar forte e preparado é antecipar a vitória.
Antecipar a vitória é ter infinita capacidade.
Ter infinita capacidade é estar preparado para dirigir um país,
e só a arte (Mãe) de governar um país tem vida perene.
Isto é estar firmemente plantado, ter longa duração,
rumo aberto para a imortalidade e a visão duradoura.


[...]

Governa um grande país como se fosses um peixinho.
Aquele que dirige o mundo de acordo com Dao
acabará achando que os espíritos perdem seu poderio.
Não é que os espíritos percam seu poder,
mas sim que eles cessem de prejudicar o povo.
E não é somente porque eles cessem de prejudicar o povo,
mas que o Sábio, ele próprio, também não prejudique o povo.
Quando um e outro deixam de se prejudicar mutuamente
o poder da Virtude paira entre ambos.


86. O propósito de um Soberano, em Mozi

Mozi disse: “O propósito do Soberano consiste em outorgar benefícios ao mundo e libertá-lo das calamidades.”
Mas quais são os benefícios e calamidades do mundo?
Mozi disse: “Os ataques recíprocos entre os estados, a mútua usurpação entre as dinastias, as injúrias recíprocas entre os homens, a intolerância e a deslealdade entre governo e governados, o desamor e a ausência de piedade filial entre pai e filho, a desarmonia entre o irmão mais velho e o mais novo! Eis as maiores calamidades do mundo.”


87. O Governo, para shang yang

Um governo estável é alcançado num estado com base em três fatores. O primeiro é a lei, o segundo a boa fé e o terceiro os padrões corretos. A lei é exercida em comum pelo príncipe e respectivos ministros. A boa fé é estabelecida em comum pelo príncipe e respectivos ministros. O padrão correto é fixado apenas pelo príncipe. Se um governante de homens deixar de o cumprir, existe perigo; se o príncipe e os ministros negligenciam a lei e agem segundo os seus interesses pessoais, a desordem será o resultado inevitável. Por conseguinte, se a lei é estabelecida, os direitos e deveres esclarecidos e o interesse pessoal não prejudicam a lei, então existe um governo estável. Se a criação do padrão correto é decidida apenas pelo príncipe, existe prestigio. Se as pessoas têm fé nas recompensas, então as suas atividades alcançarão resultados; e se depositam fé nas penalidades, então a malvadez não terá sequer inicio. Somente um governante inteligente preza os padrões corretos e valoriza a boa fé, não prejudicando, assim, a lei em nome de interesses pessoais. Se proferir muitas palavras liberais, cortando, porém, as recompensas, os seus súditos não serão úteis; e se emitir ordens severas, umas atrás de outras, mas não aplicar as penalidades, as pessoas desprezarão a pena de morte. Em geral, as recompensas constituem uma medida civil e as penalidades uma medida militar. As medidas civis e militares representam a síntese da lei. Por conseguinte, um governante inteligente deposita confiança na lei.


88. Regras para o bom governo, de hanfeizi

(...) Nenhum país é permanentemente forte. Nem todo país é permanentemente fraco. Se ele se conforma com leis fortes, então o país é forte; se ele se conforma com leis fracas, o país é fraco...se existir alguma regra capaz de expulsar os ladrões do privado e sustentar a lei pública, os povos se acharão seguros e o Estado em ordem; e alguma regra capaz de expurgar a ação privada no ato da lei pública, encontrará um exército forte e um inimigo fraco. Assim, procure homens de fora que sigam a disciplina das leis e os regulamentos, e os coloque num lugar acima do corpo de oficiais. Então, o soberano não poderá ser iludido por qualquer um com fraudes e falsidades... [...]

Os meios pelos quais uma regra inteligente controla seus ministros são somente os dois punhos. Os dois punhos são a punição e a recompensa. Que significam o castigo e a recompensa? Quando se infligi a morte ou a tortura em cima dos culpados, é chamado castigo; já os incentivos para homens do mérito são chamados de recompensa. Os ministros são receosos do censura e da punição, mas são afeiçoados ao incentivo e a recompensa. Conseqüentemente, se o senhor dos homens usar os punhos do castigo e da recompensa, todos os ministros temerão sua severidade e por seu turno, sua liberdade. (...) Agora, supondo que o senhor dos homens colocasse sua autoridade da punição e do lucro não em suas mãos, mas deixando os ministros administrarem os casos de recompensa e de punição, a seguir todos no país temeriam os ministros, e também a regra, voltando-se para os mesmos e afastando-se da última. Esta é a calamidade da perda da regra dos punhos do castigo e da recompensa.

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