Caminhos para a Sabedoria

São muitos os caminhos da sabedoria, tanto na Índia como na China. Na primeira, a busca pela supressão do karma e pelo alcance da libertação – moksha, nirvana, shamadhi, ou como se preferir chamar – é a constante em todos os métodos. Este sábio perfeito é o primeiro dos textos, que aparece no clássico do Bhaghavad Gita (A canção do Senhor), texto que faz parte do épico Mahabharata, mas cuja importância religiosa e filosófica a tornaram uma obra em separado. Esta definição é completada por dois textos upanishádicos fascinantes: no primeiro, a discípula é uma mulher, mostrando que na Índia védica buscadoras do caminho também; no segundo, a famosa passagem em que Sevtaketu descobre a analogia da alma e da semente. Por fim, a apresentação do método yóguico de meditação de Patanjali, e do caminho budista. Diferente destes, porém, a China consagrou a palavra Dao como a via, método, caminho pelo qual se atinge uma realização imanente, neste mundo, deslocando-se da visão transcendente, tal como vimos na Índia. Para a escola de Confúcio, este Dao é a redenção pela educação; na visão de Laozi, do desapego; para Zhuangzi, o Dao é obscuro e atingido por experiências psicológicas e lingüísticas avançadas; e para concluir, uma visão curiosa da escola médico-cosmológica, da época Han, que propunha uma caminho para a longevidade por meio de uma filosofia médica, ainda hoje existente.


22. As Características do Sábio Perfeito no Bhaghavad Gita

Disse Arjuna:
Qual é a descrição do homem que possui essa sabedoria firmemente fundada, cujo ser é firme em espírito, Ó Krishna? Como fala o homem de inteligência estabelecida, como se senta, como anda?
O Senhor Bendito disse: Quando um homem põe de lado todos os desejos de sua mente, Ó Arjuna, e quando seu espírito está contente em si próprio, então se chama estável em inteligência.
Aquele cuja mente não se perturba em meio às tristezas e está livre do desejo ansioso entre prazeres, aquele de quem a paixão, medo e raiva se afastaram, a este se chama um sábio de inteligência estabelecida. Aquele que não tem afeição em qualquer lado, que não se rejubila ou detesta ao ter o bem ou o mal, tem uma inteligência firmemente estabelecida na sabedoria. Aquele que retira os sentidos dos objetos do sentido em todos os lados, assim como uma tartaruga recolhe seus membros ao casco, tem uma inteligência firmemente estabelecida na sabedoria. Os objetos do sentido se afastam da alma corporificada que se abstém de alimentar-se deles, mas o gosto por eles continua. Até mesmo o gosto se afasta quando o Supremo é visto. Embora um homem possa esforçar-se pela perfeição e mostrar-se dono de discernimento, Ó Filho de Kunti, seus sentidos impetuosos arrastarão sua mente à força. Tendo posto todos os sentidos sob controle, ele deve permanecer firme no intento Yoga em Mim, pois aquele cujos sentidos se acham sob controle teia uma inteligência firmemente estabelecida. Quando, em sua mente, um homem presta atenção aos objetos do sentido, produz-se sua ligação aos mesmos. Dessa ligação surge o desejo, e do desejo vem a raiva. Da raiva nasce a confusão, e desta a perda de memória; dessa perda de memória vem a destruição da inteligência e desta ele perece. Um homem de mente disciplinada, no entanto, que se move entre os objetos de sentido com os sentidos sob controle e livre de ligação e aversão, atinge a pureza de espírito. E nessa pureza de espírito produz-se para ele um fim de toda tristeza; a inteligência de um homem de espírito puro assim logo se estabelece na paz do eu. Não existe inteligência para os incontrolados, nem tampouco para os incontrolados existe o poder de concentração, enquanto para aquele que não tem concentração não há paz, e como pode haver felicidade para quem não tem paz? Quando a mente persegue .os sentidos nômades, leva consigo a compreensão, assim como o vento impele um navio sobre as águas. Aquele cujos sentidos estejam retirados de seus objetos, portanto, Ó Poderoso, tem sua inteligência firmemente estabelecida.


23. Uma mestra em busca da sabedoria: A Conversa Entre Yajñãvalkya e Maitreyi no Brihadaranyaka upanishad

- Maitreyi - disse Yajñavalkya. - Eis que realmente estou quase saindo deste estado para adiante. Olha! Vou fazer um acordo final para ti e aquele Katyayani.
- Se hoje, senhor, toda esta terra cheia de riqueza fosse minha, seria eu imortal por isso? - disse então Maitreyi.
- Não - respondeu Yajñavalkya. - Como a vida do rico, assim seria a tua. Quanto à imortalidade, no entanto, não ha esperança através da riqueza.
- Que devo fazer com aquilo pelo que eu não poderei ser imortal? O que sabes, senhor, na verdade dize-me! - disse então Maitreyi.
- Ah! Eis que, querida como és para nos, querido é o que dizes! Vem, senta-te. Eu explicarei para ti. Mas enquanto eu explicar, busca pensar em minhas palavras - disse Yajñavalkya.
Depois disso, ele afirmou:
- Na verdade, não é pelo amor do marido que ele é querido, mas pelo amor da Alma o marido é querido.
- Na verdade, não é pelo amor da esposa que ela é querida, mas pelo amor da Alma a esposa é querida.
- Na verdade, não é pelo amor dos filhos que eles são queridos, mas pelo amor das Almas os filhos são queridos.
- Na verdade, não é pelo amor a riqueza que ela é querida, mas pelo amor da Alma a riqueza é querida.
- Na verdade, não é pelo amor da bramância (qualidade de Brahman) que ela é querida, mas pelo amor da Alma a bramância é querida.
- Na verdade, não é pelo amor dos mundos que eles são queridos, mas pelo amor da Alma os deuses são queridos.
- Na verdade, não é pelo amor dos seres que eles são queridos, mas pelo amor da Alma os seres são queridos.
- Na verdade, não é pelo amor de tudo que tudo é querido, mas pelo amor da Alma tudo é querido.
- Na verdade, é a Alma o que se deve ver, ouvir, o que deve ser pensado, o que deve ser ponderado, ó Maitreyi. Na verdade, com o ver, ouvir, pensar e entender da Alma, este mundo total é conhecido.
- A bramância desertou aquele que não conhece a bramância em nada mais do que a Alma.
. - Os mundos desertaram aquele que conhece os mundos em nada mais do que a Alma.
- Os deuses desertaram aquele que conhece os deuses em nada mais do que a Alma.
- Os seres desertaram aquele que conhece os seres em nada mais do que a Alma.
- Tudo desertou aquele que conhece tudo em nada mais do que a Alma.
- É como se, quando um tambor esta sendo tocado, não pudésemos apreender os sons externos, mas apreendendo o tambor ou o tamborileiro, o som é apreendido.
- É como se, quando uma concha está sendo soprada, não pudéssemos apreender os sons externos, mas apreendendo o tambor ou o tamborileiro, o som é apreendido.
- É como se, quando um alaúde esta sendo tocado, não pudéssemos apreender os sons externos, mas apreendendo o alaúde ou seu executante, o som é apreendido.
- É como se, de um fogo aceso com o combustível úmido, nuvens de fumaça se destacassem separadamente, de modo que, na verdade, desse grande Ser tenha sido criado aquilo que é Rig-Veda, Yajur-Veda, Sama-Veda, Hinos dos Atharvanos e Angiras, Lenda, Conhecimento Antigo, Ciências, Doutrinas Místicas, Versos, Aforismos, Explicações e Comentários. Dele, na verdade, tudo isso foi criado.
- É como se de todas as águas o ponto de reunião é o mar, também de todos os toques o ponto de reunião é a pele, também de todos os gostos o ponto de reunião é a língua, também de todos os cheiros o ponto de reunião é a narina, também de todas as formas o ponto de reunião é o olho, também de todos os sons o ponto de reunião é o ouvido, também de todas as intenções o ponto de reunião é a mente, também de todos os conhecimentos o ponto de reunião é o coração, também de todos os atos o ponto de reunião são as mãos, também de todos os prazeres o ponto de reunião é o órgão gerador, também de todas as evacuações o ponto de reunião é o anus, também de todas as jornadas o ponto de reunião são os pés, também de todos as Vedas o ponto de reunião é a fala.
- É como se um bocado de sal posto na água dissolvendo-se nela, não existisse mais sal algum para tirar, mas onde quer que essa água seja levada, mostra-se salgada, e também assim, na verdade, este grande Ser, infinito, ilimitado, é apenas uma massa de conhecimento.
- Surgindo desses elementos, neles nós desaparecemos. Depois da morte não há consciência. Assim eu falo.
E assim falou Yajñavalkya.
Em seguida falou Maitreyi:
- Nisso, realmente, tu me confundiste, senhor, ao dizer que depois da morte não ha consciência!
Disse então Yajñavalkya:
- Na verdade, eu não confundo. Suficiente é isso, na verdade, para o entendimento.
- Pois onde existe uma dualidade, por assim dizer, um vê o outro, um cheira o outro, um ouve o outro, um fala com outro, um pensa no outro, um compreende o outro. Na verdade, onde tudo se tornou o eu nosso, onde e quem cheiraríamos? Onde e quem vedamos? onde e quem ouviríamos? Onde e a quem falaríamos? Onde e de quem pensaríamos? Onde e a quem compreenderíamos? Onde iríamos compreender aquêle por quem compreendemos este Tudo? Onde se compreenderia o compreendedor?


24 A busca de Svetaketu, no Chandogya Upanishad

Quando Svetaketu tinha doze anos de idade, seu pai Uddalaka lhe disse: "Svetaketu, agora deves ir para a escola e estudar. Ninguém da nossa família, meu filho, é ignorante a respeito de Brahman."
Conseqüentemente, Svetaketu procurou um mestre e estudou por doze anos. Depois de decorar todos os Vedas, voltou para casa cheio de orgulho com seu aprendizado.
Seu pai, percebendo a vaidade do jovem, disse a ele: "Svetaketu, pediste aquele conhecimento pelo qual ouvimos o que não é audível, pelo qual percebemos o imperceptível, pelo qual conhecemos o incognoscível?"
"O que é esse conhecimento, senhor?", perguntou Svetaketu. "Meu filho, do mesmo modo como ao se conhecer um monte de barro, todas as coisas feitas de barro são conhecidas, havendo a diferença apenas no nome e surgindo da fala, sendo verdade que todas são de barro; do mesmo modo como ao se conhecer uma pepita de ouro, todas as coisas feitas de ouro são conhecidas, estando a diferença apenas no nome e surgindo da fala, sendo verdade que todas são ouro - exatamente assim é aquele conhecimento que, conhecendo-o, conhecemos tudo."
"Com toda a certeza, meus veneráveis mestres ignoram esse conhecimento; pois, se o possuíssem, tê-Io-iam ensinado a mim. Ensinai-me então, senhor, esse conhecimento."
"Assim seja", disse Uddalaka, e continuou então:
"No início havia a Existência, apenas Um, sem segundo. Alguns dizem que no início havia apenas a não-existência, e que dela nasceu o Universo. Porém, como poderia ser tal coisa? Como poderia a existência nascer da não-existência? Não, meu filho, no início havia apenas a existência - somente Um, sem que houvesse outro. Ele, o Uno, pensou: Serei muitos, expandir-me-ei. Assim, projetou o Universo a partir de si mesmo, e entrou dentro de cada ser e de tudo. Tudo o que existe possui o seu ser somente nele. Ele é a verdade. Ele é a essência sutil de tudo. Ele é o Eu. E isso, Svetaketu, ISSO ÉS TU."
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu."
“Assim seja, meu filho”:
“Assim como as abelhas fazem o mel reunindo sucos de inúmeras plantas e árvores floríferas, e como esses sucos, reduzidos a um único mel, não sabem de que flores vieram individualmente, da mesma forma, meu filho, todas as criaturas, quando estão incorporadas àquela Existência única, seja no sono sem sonhos ou na morte, nada sabem a respeito do seu estado passado ou presente, devido à ignorância que as envolve - não sabem que estão fundidas com ela e que delas vieram”.
“Seja o que for que essas criaturas sejam, um leão, ou um tigre, ou um javali, ou um verme, ou um borrachudo, ou um mosquito, elas assim permanecem depois que voltam do sono sem sonhos”.
"Todas elas têm seu Eu apenas nele. Ele é a verdade. Ele é a essência sutil de tudo. Ele é o Eu. E isso, Svetaketu, ISSO ÉS TU."
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu."
“Assim seja, meu filho”:
"Os rios do Leste correm na direção do Leste, os rios do Oeste correm na direção do Oeste, e todos vão para o mar. Eles passam de mar para mar, as nuvens os elevam para o céu como vapor e os mandam para baixo como chuva. E como esses rios, quando se unem com o mar, não sabem se são este ou aquele rio, da mesma forma todas as criaturas que mencionei, quando voltam de Brahman, não sabem de onde vieram”.
"Todos esses seres têm seu eu somente nele. Ele é a verdade. Ele é a essência sutil de tudo. Ele é o Eu. E isso, Svetaketu, ISSO ÉS TU."
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu."
"Assim seja, meu filho”:
“Se alguém uma vez golpeasse a raiz desta grande árvore, ela sangraria, mas viveria. Se golpeasse seu caule, ela sangraria, mas viveria. Se golpeasse seu topo, ela sangraria, mas viveria. Impregnada pelo eu vivente, esta árvore permanece firme, e se alimenta; porém, se o Eu partisse de um dos seus galhos, esse galho murcharia; se o abandonasse por um segundo, ele murcharia. Se o abandonasse pela fração de um segundo, ele murcharia. Se ele saísse de toda a árvore, toda a árvore murcharia”.
“Do mesmo modo, meu filho, conhece isto: o corpo morre quando o Eu o deixa - porém o Eu não morre”.
"Tudo o que existe tem o seu Eu apenas nele. Ele é a verdade. Ele é a essência sutil de tudo. Ele é o Eu. E isso, Svetaketu, ISSO ÉS TU."
"Por favor, senhor, dize-me mais a respeito desse Eu."
"Assim seja. Traze uma fruta daquela árvore Nyagrodha." "Aqui está, senhor." "Parte-a."
"Está partida, senhor."
"O que vês?"
"Algumas sementes, extremamente pequenas, senhor."
"Parte uma delas."
"Está partida, senhor."
"O que vês?"
"Nada, senhor."
"A essência sutil tu não a vês, e nela está o todo da árvore Nyagrodha. Acredita, meu filho, que naquilo que é a essência sutil - todas as coisas têm sua existência. Aquilo é a verdade. Aquilo é o Eu. E aquilo, Svetaketu, AQUILO ÉS TU!"
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu."
"Assim seja. Coloca este sal na água, e volta aqui amanhã pela manhã." Svetaketu fez como lhe foi solicitado. Na manhã seguinte, seu pai pediu-lhe para trazer o sal que havia colocado na água. Porém, ele não pôde fazê-Io porque o sal se havia dissolvido. Uddalaka então disse:
"Prova a água e dize-me que gosto ela tem."
"Está salgada, senhor."
"Do mesmo modo", continuou Uddalaka, "embora não vejas Brahman neste corpo, na verdade ele está aqui. Naquilo que é a essência sutil - todas as coisas têm sua existência. Aquilo é a verdade. Aquilo é o Eu. E aquilo, Svetaketu, AQUILO ÉS TU."
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu", pediu novamente o jovem.
“Assim seja, meu filho”:
"Do mesmo modo como um homem com os olhos vendados pode ser levado para longe e abandonado num lugar estranho, e, tendo sido tratado assim, pode voltar-se para todos os lados e gritar para que alguém, remova a sua venda e lhe mostre o caminho de casa; e alguém, atendendo ao seu chamado, poderá soltar a sua venda e dar-lhe conforto; e, depois de caminhar de povoado em povoado, perguntando seu caminho à medida que avança, ele finalmente chega à sua casa - assim um homem que encontra um mestre iluminado obtém o verdadeiro conhecimento”.
"Aquele que é a essência sutil - nele todos os seres têm sua existência. Ele é a verdade. Ele é o Eu. E Aquele, O Svetaketu, AQUELE ÉS TU."
"Por favor, senhor, dizei-me mais a respeito desse Eu."
“Assim seja, meu filho”:
“Quando um homem está fatalmente doente, seus parentes se reúnem em volta dele e perguntam: ‘Tu me conheces? Tu me conheces?’ Enquanto sua fala não estiver incorporada à sua mente, sua mente ao seu alento, seu alento ao seu calor vital, seu calor vital ao Ser Supremo, ele os conhecerá. Porém, quando sua fala estiver incorporada à sua mente, sua mente ao seu alento, seu alento ao seu calor vital, seu calor vital ao Ser Supremo, então ele não os conhecerá”.
"Aquele que é a essência sutil - nele todos os seres têm sua existência. Ele é a verdade. Ele é o Eu. E Aquele, O Svetaketu, AQUELE ÉS TU."


25. A sabedoria nos Yogas sutras de Patanjali - Formas de Meditação e de Samadhi

A enfermidade, a preguiça mental, a dúvida, a falta de entusiasmo, a letargia, a tendência para os prazeres dos sentidos, a falsa percepção, a impossibilidade de atingir um perfeito estado de concentração e a facilidade de perdê-lo, uma vez atingido, são as distrações que obstruem.
O sofrimento, a angústia mental, o tremor do corpo, a respiração irregular, acompanham a não-retenção de um perfeito estado de concentração.
Para corrigir este estado (é preciso) que o sujeito se exercite.
Na amizade, na piedade, no contentamento e na indiferença os quais, sendo concebidos com relação a sujeitos felizes e infelizes, bons e maus, respectivamente, pacificam a Chitta.
Em soltar e reter a respiração.
Nessas formas de concentração que provocam extraordinárias percepções nos sentidos e que são a causa de perseverança da mente.
Também na meditação da Luz Refulgente, que está acima de toda tristeza.
Também na meditação sobre o coração que renunciou a todo apego aos objetos dos sentidos.
Também na meditação sobre o conhecimento que vem a nós no sono.
Também na meditação sobre qualquer coisa que nos pareça boa.
A mente do Yogui que assim meditar passa, sem impedimento, do atômico para o infinito.
O Yogui que, dessa maneira, tiver tornado impotentes os Vrittis, que os tiver (controlado), alcança, tanto no receptáculo, instrumento, no receber, como no recebido (o Ser, a mente, os objetos externos), completa concentração e igualdade, como o cristal (diante de objetos de diferentes cores).
O som, o sentido e o conhecimento resultantes, unidos, constituem o chamado Samadhi “com-interrogação".
O Samadhi denominado “sem-interrogação" vem quando a memória é purificada ou esvaziada de qualidades e exprime apenas o sentido do objeto meditado.
Por esse processo também se explicam (as concentrações) com discriminação e sem discriminação, cujos objetos são, mais sutis.
Os objetos mais sutis têm um termo com Pradhana.
Essas concentrações têm semente.
Uma vez purificada a concentração sem discriminação, a Chitta está firmemente fixada.
O conhecimento disto chama-se “cheio de verdade".
O conhecimento ganho através do testemunho e da inferência refere-se a objetos comuns. O que decorre do Samadhi e que acabamos de mencionar, é de qualidade muito mais alta e pode penetrar onde o testemunho e a inferência não podem.
A impressão que resulta do Samadhi obstrui todas as demais impressões.
O Samadhi “sem-semente" se obtém restringindo até mesmo (essa impressão que obstrui todas as demais impressões).


26. O Caminho Budista, descrito no Samyutta Nikaya

Supõe agora, Tissa, dois homens, um ignorante do Caminho, outro versado no Caminho. Aquele que é ignorante pergunta seu caminho àquele que é versado no caminho. O outro responde: "Sim, vós estais no caminho, senhor. Quando vós o tiverdes seguido por algum tempo, vereis que ele se divide em duas veredas. Deixai aquela da esquerda, tomai aquela da direita. Continuai a caminhar um pouco e vereis uma espessa floresta. Um pouco mais longe vereis um grande pântano. Um pouco mais longe vereis um precipício escarpado. Um pouco mais longe vereis uma deliciosa planície de solo plano." É uma parábola, Tissa, para me fazer compreender, e eis dela a significação. O homem ignorante do caminho, é a multidão. O homem versado no caminho, é o Descobridor da Verdade, o Perfeito, o totalmente Desperto. A divisão em duas veredas, é o estado de hesitação. O caminho da esquerda, é a Óctupla via errônea: a da opinião errônea, dos conceitos errôneos, das palavras errôneas, dos atos errôneos, da conduta errônea, dos esforços errôneos, da vigilância errônea, da contemplação errônea. A vereda da direita é o símbolo do Óctuplo caminho ariano, o da opinião correta, etc... A floresta espessa, Tissa, designa a ignorância. O grande pântano designa os prazeres sensuais. O precipício escarpado é sinônimo da turbulência, da cólera. A deliciosa planície de solo plano designa o nirvana. Sê reconfortado, Tissa. Eu te exortarei, te ajudarei, te instruirei.


27. A redenção pelo estudo, no Zhong Yong de Confúcio e Zisi

Aquilo que o céu outorgou se chama Natureza. A harmonia com essa natureza chama-se Caminho do Dever. A ordenação desse caminho chama-se Instrução.
Nem por um instante se pode abandonar o caminho. Se pudesse ser abandonado, não seria o caminho. A esse respeito, o homem não superior, para ser prudente, não espera até ver as coisas nem para ser apreensivo espera até ouvir as coisas.
Nada há mais visível do que o secreto. Nada mais mani¬festo do que o minúsculo. Portanto, o homem superior cuida de si mesmo quando está sozinho.
Quando não há agitações de prazer, de cólera, de pesar ou de alegria, pode-se dizer que a mente se encontra em estado de Equilíbrio. Quando esses sentimentos se agitam e atuam em seu devido grau, produz-se o que se pode chamar estado de Harmonia. Esse Equilíbrio é a grande base da qual procedem todos os atos humanos no mundo e essa Harmonia é o caminho universal que todos eles devem seguir.
Se existem em sua perfeição esses estados de equilíbrio e da harmonia, prevalecerá uma ordem feliz no Céu e na Terra e todas as coisas serão estimuladas e florescerão.
“Que o homem superior sintetize o sistema do Meio, deve-se ao fato de ser um homem superior e assim manter sempre o Meio. Que o homem inferior atue contra o sistema do Meio, deve-se ao fato de ser ele um homem inferior e não ter cautela”.
Disse o Mestre: “Perfeita é a virtude que está de acordo com o Meio. Entre o povo, raros foram aqueles que puderam praticá-la!"


28. O dao dos daoístas, de Laozi

Procura atingir a suprema Humildade
Sustenta firme a base da Quietude.
Miríades de coisas se formam e se erguem para a atividade
mas eu as assisti tombarem de costas em repouso.
Assim como a vegetação que cresce luxuriante
mas retorna às raízes do chão onde nasceu.

Regressar às próprias origens, eis o que é o Repouso.
É o que se chama retornar ao seu próprio Destino.
Quem regressa à sua finalidade encontra a Eterna Lei
Conhecer a Lei Eterna é o Esclarecimento.
Desconhecer a Lei Eterna é expor-se ao fracasso

Aquele que conhece a Lei Eterna é tolerante:
sendo tolerante é imparcial;
sendo imparcial é nobre;
sendo nobre está de acordo com a Natureza;
estando de acordo com a Natureza está de acordo com dao;
estando de acordo com dao é eterno
e sua vida inteira está preservada de danos.


29. O dao obscuro de Zhuangzi

Como dao pode ser tão obscuro de modo que precisa haver a distinção do verdadeiro e do falso? E como a palavra pode ser tão obscura de modo que precisa haver uma distinção entre o direito e o errado? Onde você pode ir e achar que dao não existe? Onde você pode ir e achar que as palavras não podem ser provadas? Dao não pode ser apreendido perfeitamente por nossa compreensão inadequada, e as palavras não se patenteiam perfeitamente devido às expressões floreadas. Daí as afirmativas e negativas das escolas de Confúcio e de Mozi, cada qual negando o que a outra afirma e afirmando o que a outra nega. Cada qual negando o que a outra afirma e afirmando o que a outra nega, só nos pode redundar em confusão.
Não há nada que não seja "isto"; não há nada que não seja "aquilo". O que não pode ser visto por "aquilo", (a outra pessoa) pode ser compreendido por mim. Daí eu digo, "isto" emana "daquilo"; "aquilo" também deriva "disto". Esta é a teoria da interdependência "disto" e "daquilo" (relatividade dos padrões). Não obstante, a vida decorre da morte, e vice-versa. A possibilidade decorre da impossibilidade, e vice-versa. A afirmação baseia-se na negação, e vice-versa. Sendo esse o caso, o verdadeiro sábio rejeita todas as distinções e refugia-se no Céu (Natureza). Pois alguém pode baseá-las sobre "isto", embora "isto" seja também "aquilo" e "aquilo" seja também "isto". "Isto", outrossim, tem seus "direitos" e "errados", e "aquilo" também tem seus "direitos" e "errados". Então existe realmente, ou não, a distinção entre "isto" e "aquilo"? Quando "isto" (subjetivo) e "aquilo" (objetivo) são ambos sem seus correlatos, esse é o verdadeiro "Eixo de dao". E quando esse Eixo passa através o centro para o qual o Infinito converge, as afirmações e as negações confundem-se igualmente no infinito Único. Daí se diz que não há nada como usar a Luz. Tomar um dedo como prova de que um dedo não é um dedo não é tão bom como tomar qualquer coisa que não seja um dedo para provar que um dedo não e um dedo. Tomar um cavalo como prova de que um cavalo não é um cavalo não é tão bom como tomar algo que não seja um cavalo para demonstrar que um cavalo não e um cavalo. O mesmo se dá com o universo que não é nem dedo nem cavalo. O possível é possível: o impossível é impossível. Dao trabalha e o resultado obtido é o seguinte; as coisas recebem nomes e afirma-se serem o que são. Por que são assim? Porque se afirma serem como são! Por que não são de outro modo? Afirma-se não serem assim! As coisas são assim por si mesmas e têm possibilidades por si próprias. Não existe nada que não seja de certo modo e não existe nada que não possa ser de certo modo. Por conseguinte tome, por exemplo, um galho novo e uma coluna, ou uma pessoa feia e uma grande beleza e tudo o que for estranho e monstruoso. Tudo isso é igualado por dao. A divisão é o mesmo que criação; a criação é o mesmo que destruição. Não há uma criação ou uma destruição, porque essas condições são novamente igualadas numa Única. Somente os verdadeiros sábios compreendem esse principio de igualar todas as coisas numa Única. Descartam-se das distinções e se refugiam nas coisas comuns e ordinárias. As coisas comuns e ordinárias servem a certas funções e, portanto, conservam a integridade da natureza. Partindo dessa integridade, uma pessoa compreende, e da compreensão chega a dao. Aí pára. Parar sem saber como pára - eis dao.


30. O Dao da saúde do Neijing (O Tratado Interno) - Tratado sobre a Verdade Natural nos Tempos Antigos

O Imperador Amarelo foi dotado de talentos divinos, nos tempos antigos em que nasceu: na primeira infância já sabia falar, muito jovem ainda era rápido de entendimento e sagacidade, em adulto foi sincero e compreensivo e quando atingiu a perfeição ascendeu ao Céu.
Uma vez, o Imperador Amarelo dirigiu-se a Tien Shih, o mestre divinamente inspirado, nos seguintes termos:

- Ouvi dizer que nos tempos antigos as pessoas viviam mais de um século e mesmo assim permaneciam ativas e não se tornavam decrépitas nas suas atividades. Hoje em dia, porém, as pessoas só vivem metade desses anos e mesmo assim tomam-se decrépitas e débeis. É por que o Mundo muda de geração para geração? Ou será por que a espécie humana negligencia as leis da Natureza?

E Chi Po respondeu:
- Antigamente, essas pessoas que compreendiam o Dao [o caminho do autodesenvolvimento] moldavam-se de acordo com o Yin e o Yang [os dois princípios da Natureza] e viviam em harmonia com as artes da adivinhação. Havia temperança no comer e no beber. As suas horas de levantar e recolher eram regulares e não desordenadas e ao acaso. Graças a isso, os antigos conservavam os seus corpos unidos às suas almas, a fim de cumprirem por completo o período de vida que lhes estava destinado, contando cem anos antes do passamento. Hoje em dia, as pessoas não são assim; utilizam o vinho como bebida e adotam a temeridade e a negligência como comportamento habitual. Entram na câmara do amor em estado de embriaguez; as paixões exaurem-lhes as forças vitais; o ardor dos desejos malbarata-lhes a verdadeira essência; não são hábeis na regulação da sua vitalidade. Devotam toda a atenção ao divertimento dos seus espíritos, desviando-se assim das alegrias da longa vida. Levantam-se e deitam-se sem regularidade. Por tais razões só chegam à metade de cem anos e degeneram.

Na Antigüidade mais remota, os ensinamentos dos sábios eram seguidos pelos que se encontravam abaixo deles. Os sábios diziam que a fraqueza, as influências insalubres e os ventos nocivos deviam ser evitados em ocasiões específicas. Sentiam-se tranqüilamente satisfeitos no nada e a verdadeira força vital acompanhava-os sempre; preservavam dentro de si o vigor vital primitivo. Assim, como podia a doença acometê-los?. Reprimiam a vontade e reduziam os desejos; os seus corações estavam em paz e sem qualquer medo, os seus corpos labutavam e, contudo, não sentiam fadiga. O seu espírito respeitava a harmonia e a obediência, estava tudo de acordo com os seus desejos e conseguiam o que quer que desejassem. Achavam excelente qualquer espécie de comida e qualquer espécie de vestuário os satisfazia. Sentiam-se felizes em todas as circunstâncias. Para eles, não importava que um homem ocupasse na vida uma posição elevada ou inferior. A homens assim se pode chamar puros de coração. Não há desejo capaz de tentar os olhos destas pessoas puras, e a sua mente não pode ser desencaminhada pelos excessos nem pelo mal.

Numa sociedade assim, quer os homens sejam sensatos, quer idiotas; quer virtuosos, quer maus, não têm medo de nada, estão em harmonia com o dao, o Caminho Certo. Por isso, os antigos viviam mais de um século e permaneciam ativos e sem se tomarem decrépitos, porque a sua virtude era perfeita e nada jamais a punha em perigo.

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